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O PCP comemorará os 45 anos da Revolução de Abril sob o lema «Os valores de Abril no futuro de Portugal».

Este lema representa a maneira como o PCP interpreta a história de Portugal no século XX e implica a orientação política fundamental que os comunistas, a classe operária e todos os democratas, devem seguir com base na sua análise da situação actual da luta de classes no nosso país.

Acontecimento maior da história de Portugal do século XX, o PCP considera assim que, no presente, a acção revolucionária deve orientar-se pela projecção dos valores de Abril no futuro de Portugal. Esta atitude do PCP não isola os valores de Abril nem os imobiliza, antes os vê integrados dinamicamente na luta política e económica, social e cultural, que a Revolução de Abril representa. Esses valores são de importância estratégica para os trabalhadores e o povo português e, por isso, a conquista da sua plenitude deverá exprimir a emancipação histórica desses mesmos trabalhadores e desse povo.

Os valores do 25 de Abril são valores revolucionários: na dupla medida em que significam a ruptura com o passado fascista, e exprimem um conjunto de desejos e de aspirações populares. Esta dupla circunstância, implica que as comemorações do 25 de Abril não podem esquecer ou apagar da memória do povo português o que foi esse tempo de opressão, de exploração desenfreada, de obscurantismo, de injustiça social e de marginalização dos trabalhadores, das mulheres e do povo em geral.

O fascismo foi, como o Comité Central do PCP recorda, no seu comunicado de 10 de Dezembro de 2018, «um tempo de miséria, fome, trabalho infantil, repressão, guerra, ódio, degradantes condições de vida, de saúde e de habitação, de segregacionismo cultural, elitismo, analfabetismo, ensino reservado para uns poucos e condicionado para a grande maioria da população, salários de miséria, subordinação dos interesses do país e do povo aos interesses de uma minoria de grandes monopolistas e latifundiários, alienação do interesse nacional aos interesses do grande capital e do imperialismo».

Na luta destes anos que se seguiram ao 25 de Abril, a política da direita sempre procurou apagar esse tempo de ignomínia e vergonha porque assim estaria a pôr a render o ocultamento das suas cumplicidades com os mandantes desse tempo. Enquanto valor, Abril manifesta a importância da liberdade e da democracia não tolhidas por esse esquecimento.

Por outro lado, o 25 de Abril representa uma ruptura revolucionária com esse estado de coisas, que é protagonizada por uma aliança entre o Movimento das Forças Armadas (MFA) e largas massas populares que se libertam, invadem o palco da história e tomam nas suas mãos o processo da sua emancipação.

A história destes 45 anos que passaram desde a madrugada de 25 de Abril de 1974, é a história da luta de classes entre os que defenderam os valores revolucionários que a classe operária e os trabalhadores inscreveram na Constituição da República – mesmo não tendo uma representação maioritária na composição da Assembleia –, e aqueles que desde o princípio da Revolução conspiraram e se bateram para não a aceitarem e para negarem a esperança que moldaria a emancipação social e nacional. Esses valores são os de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural, uma democracia avançada que constitui o desiderato de uma acção política patriótica e de esquerda.

A dimensão política da democracia manifesta a soberania nacional e baseia-se «no pluralismo de opinião e organização política, nas liberdades individuais e colectivas, na intervenção e participação directa do povo na vida política e na fiscalização e prestação de contas do exercício do poder. Comemoraremos Abril afirmando a democracia e a liberdade, como pertença do povo e com um valor intrínseco».

Recordando e acendendo no ecrã da nossa imaginação essas imensas massas humanas que se moveram e conquistaram, na Constituição, nas fábricas e nos campos de Portugal os seus valores inalienáveis, «comemoraremos Abril, por uma democracia económica baseada na submissão do poder económico ao poder político democrático, assente na propriedade social dos sectores básicos e estratégicos da economia, bem como dos principais recursos nacionais, que no seu conjunto devem ser o motor e a alavanca fundamental de um projecto de desenvolvimento económico com o Estado a ter o papel essencial e dinamizador […] que defenda e promova a produção nacional, substituindo importações e garanta a soberania alimentar e energética e o emprego com direitos.»

«Comemoraremos Abril lutando por uma democracia social baseada na garantia efectiva dos direitos dos trabalhadores, no direito ao trabalho e à sua justa remuneração, em dignas condições de vida e trabalho, reclamando a valorização dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, particularmente na educação e na saúde, e por um Sistema de Segurança Social Público e Universal.»

A profundidade e a radicalidade destas transformações que a Constituição da República Portuguesa veio a consagrar, chamam à atenção para um facto singular. É que a correlação de forças no interior da Assembleia da República não era favorável à consagração dessas transformações e, pelo contrário, a relação de forças no exterior da Assembleia reflectia um equilíbrio tenso entre a transformação e a conservação.

O facto de a Assembleia da República se ter inclinado no sentido da correlação de forças que, desde o seu exterior a atravessava, revela, sem figuras de retórica, que foram as massas operárias e populares que directamente fizeram imprimir no texto constitucional os seus valores. E é isso que explica a profundidade e o tempo que durou a resistência às tentativas de liquidar o triunfo da representação desses valores.

Assim, o facto de esse resultado representar a extensão e a profundidade da consagração das transformações revolucionárias sem que se dispusesse do poder de estado, não apaga a outra lição que a Revolução de Abril também nos ensina, a de que, sem esse poder, é muito difícil levar ao triunfo pleno as intenções revolucionárias.

A própria revolução é o exemplo de uma transformação cultural inequívoca. Nela reencontramos esse movimento, vertiginoso e eloquente das massas, transformando as suas condições de vida e a própria forma de viver e de projectar o futuro. Significativamente, as modificações nas estruturas do aparelho de Estado ligadas ao apoio das actividades culturais, encontraram-se com a energia e o dinamismo da actividade cultural das autarquias e dos próprios trabalhadores da cultura. É em face dessa actividade que as forças reformistas e reaccionárias combatem o que de progressista se verificava no terreno. Estruturas do aparelho de Estado são desmanteladas e o princípio fundamental que passa a reger a política cultural de direita passa a ser a financeirização da cultura e a consequente mediocridade dos apoios estatais às actividades artísticas.

«Comemoraremos Abril lutando por uma democracia cultural baseada no efectivo acesso das massas populares à criação e à fruição da cultura e na liberdade e apoio à fruição cultural.»

Por outro lado o 25 de Abril que nos deu a liberdade, permitiu-nos acabar com a guerra colonial que era simultaneamente uma limitação da nossa soberania e um dos elos no sistema mundial das relações, que nos submetia ao imperialismo. Ficava assim claro de que a nossa soberania exigia o corte nas relações que nos tornavam um país ao mesmo tempo colonizador e colonizado.

Aprovada a Constituição, ela começou de imediato a ser combatida por aquilo que o PCP definiu como a recuperação e, posteriormente, a restauração capitalista, latifundista e imperialista.

Entre as armas utilizadas pela reacção encontram-se os movimentos de privatização de serviços públicos, que se traduzem por anomalias de funcionamento das estruturas que prestam serviços que correspondem à protecção de direitos sociais e culturais das populações. Esta forma de ataque ao carácter público e democrático é particularmente virulenta pois, por um lado, debilita os aparelhos e as instituições que deveriam garantir a efectividade dos direitos conquistados e, por outro, servia os objectivos ideológicos da propaganda manipuladora a favor da privatização generalizada.

A comunicação social, propriedade, em larguíssima medida, dos grandes grupos financeiros, constitui um poderoso factor de dominação ideológica que selecciona, para impor, um conjunto de temas de manipulação. A comunicação social silencia as vozes que exprimem o protesto social contra a acção do Estado visando a recuperação por velhos e novos grupos financeiros. Por outro lado, a comunicação social faz activamente a propaganda de falsas saídas para esse mal estar, ao mesmo tempo que busca criminalizar o protesto social organizado pelas associações sindicais e políticas de trabalhadores. Por exemplo, o recente comportamento da comunicação social em geral em relação ao «movimento de protesto» dos chamados «coletes amarelos» foi, inacreditavelmente, manipulado. A televisão veio para a rua antes da hora marcada para mobilizar para a manifestação e, em vários canais, colocou como legenda das suas imagens, os ‘slogans’ que apareciam nos cartazes transportados por alguns manifestantes, o que funcionava como uma indistinção entre aqueles que protestavam e o meio de informação. Depois, na análise e no balanço do que se passara, houve uma mistura cúmplice entre o ridículo que a informação não podia evitar sublinhar que manifestava o desagrado dos mandantes com a inabilidade dos ‘protestantes’, assim como o paleio em sociologuês que buscava teorizar o bem fundado do protesto e a promessa de que, embora numa fase embrionária e infantil, esse protesto poderia crescer e vir a submergir em tom de manifesta euforia à acção política organizada dos fingidos ‘protestantes’.

Quando o PCP anuncia essa frase «os valores de Abril no futuro de Portugal» não está apenas a lançar um ‘slogan’ na floresta de palavras que lutam por serem ouvidas. O PCP está, de acordo com a sua história, a inscrever a sua palavra numa perspectiva histórica que é aqui também revolucionária. Os valores de Abril inscrever-se-ão no futuro de Portugal graças à acção política das massas que escolhem ser orientadas pelo PCP, nesta fase da luta pelo socialismo, que é a luta por uma democracia avançada.

Esta luta retoma as formulações básicas fundamentais da Constituição da República de 1976, ou seja, antes das revisões constitucionais, e este é um exercício importante: ler hoje a Constituição de 1976 dá para entender o quão próximo esteve de ser uma constituição socialista. Quando se fala de democracia avançada o que se pretende é indicar que a actual fase da luta é uma fase democrática e revolucionária que representará uma acumulação de forças sociais e políticas visando a sua mobilização para a revolução socialista.

Quando o PCP coloca «os valores de Abril no futuro de Portugal» está a transpor esses valores do plano da acção histórica das massas para os objectivos da acção politica e ideologicamente consciente, está assim a propor um caminho às massas, ao mesmo tempo que lhes fornece instrumentos para o seu reconhecimento desses objectivos. Assim, trata-se de lutar por valores que as massas já integraram e conhecem, embora ainda não de forma acabada.

Estes valores integram uma plataforma de unidade que o PCP propõe ao povo português que é uma plataforma que nasce da própria luta desse povo e, portanto, não lhe é estranha. Estes valores de Abril podem representar a fusão de dois horizontes de expectativa. Um horizonte é o da acção das massas, nas lutas do passado, o outro representa o trabalho sobre esse primeiro horizonte, e consiste na argumentação e na explicação da orientação que as massas deverão tomar como sua.

No programa do PCP essa experiência é apresentada e explicada de modo a que as massas a possam reconhecer como sua. Essa experiência é a da aprendizagem de uma valorização contrária à que o conjunto da sociedade prefere ainda hoje. Esta preferência é equivocada e representa uma força ideológica pela qual a burguesia busca submeter as ideologias da emancipação.

Por isso, é preciso contrariar essa valorização dominante e construir em cada luta essa outra valorização alternativa: a valorização do trabalho contra o capital; a valorização da participação democrática sobre a manipulação e as rotinas da representação; a valorização do colectivo e do público sobre os egoísmos particulares e o privado; a valorização da satisfação das necessidades sociais sobre a sustentabilidade económica; a valorização da criação cultural sobre a difusão.

Estas lutas por valores diferentes nunca estará terminada enquanto as forças das classes dominadas não conseguirem para si o poder de estado, pois só usando-o conseguirão de forma estável e continuada, assim como criadora, proporcionar as condições da vitória. Porque os valores não existem no ar alimentados pela ambrósia de que os deuses se alimentam, ou seja, estes valores têm que radicar nas condições materiais da existência, nas formas sociais e técnicas de produzir e de projectar as formas de vida futuras.

Esta luta é pois difícil, mas só travando-a, não desistindo dela, conseguiremos esse resultado que fulgura no horizonte como o nascer do sol, ao mesmo tempo como condição, de visibilidade e de possibilidade.

in “O Militante” Mar/Abr de 2019