Muito se tem discutido nestes dias sobre o facto de a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2019 ficar aquém do objectivo do défice zero. Há quem defenda que o governo podia e devia ir mais longe do que défice de 0,2% do PIB, fazendo do último OE da legislatura o primeiro desde a instauração de democracia em que as despesas públicas não seriam superiores às receitas. Na cabeça de muita gente qualquer exercício orçamental que implique saldos negativos é sinal de despesismo e só o défice zero é uma política responsável. Esta noção parece muito intuitiva – mas é errada.
Ao contrário do que o senso comum sugere, os Estados podem registar défices orçamentais todos os anos sem com isso porem em causa a sustentabilidade das contas públicas. Para o perceber é preciso abandonarmos a tendência para vermos o Estado como se fosse uma pessoa comum.
Em princípio, um indivíduo que tenha de pagar uma dívida num determinado prazo só conseguirá fazê-lo se gastar menos do que os rendimentos que obtém em cada período. De outra forma a dívida mantém-se ou agrava-se.
Mas um Estado e um indivíduo não são a mesma coisa. Há duas diferenças fundamentais que os distinguem e que são relevantes neste contexto.
Primeiro, ao contrário dos indivíduos, os Estados não têm um tempo de vida limitado à partida. Precisamente porque não vivem para sempre, exige-se aos indivíduos que paguem tudo o que devem antes de morrerem. Os Estados, porque não morrem, apenas precisam de ir pagando as dívidas que contraíram no passado, mesmo que para o efeito tenham de contrair nova dívida.
Em segundo lugar, não é expectável que os rendimentos de um indivíduo aumentem eternamente (na verdade, é habitual reduzirem-se quando as pessoas se reformam). Por contraste, os rendimentos do Estado tendem a aumentar continuamente graças ao crescimento da actividade económica e dos preços (que se verifica em quase todos os anos), pelo que ao longo do tempo se torna mais simples aos Estados pagarem as dívidas que contraíram no passado.