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“Uma nêspera estava na cama, deitada, muito calada, a ver o que acontecia.
Chegou a Velha e disse: olha uma nêspera e zás comeu-a!
É o que acontece às nêsperas que ficam deitadas, caladas, a esperar o que acontece!”
MÁRIO HENRIQUE LEIRIA
Nestes difíceis tempos que vivemos ouvimos aqui e ali desabafos e frustrações sobre a democracia que temos, invocando “eus” sérios e trabalhadores e “eles” desonestos e parasitas, uma divisão social entre “comuns” e “políticos”. As eleições autárquicas de domingo poderiam servir para uma reflexão sobre esta questão. Será que os “comuns” não têm nenhuma responsabilidade pela saúde (ou falta dela) da democracia que temos?
Junto mais umas quantas perguntas. Quem tem elegido os políticos que temos? Quantos portugueses vão votar? Quantos se manifestam publicamente? Quantos opinam e reclamam nos lugares próprios? Quantos participam na vida partidária? Quantos participam na vida associativa? Quantos participam nas Assembleias de Freguesia? E nas Assembleias Municipais? E nas reuniões da Câmara Municipal?
Dirão alguns – eu até participava, mas não tenho tempo, essas organizações estão contaminadas por interesses obscuros e enxameadas de gente pouco séria. Até poderá ser verdade. Mas existem, terão existido, existirão sociedades impolutas, nas quais não seja necessária a intervenção individual para definir e/ou corrigir o caminho colectivo que se toma? Ou estamos à espera de um salvador da pátria (ai Sebastião, ai Sidónio, ai António) que nos leve pela mão ao jardim das delícias?
Deixo aqui alguns exemplos, a contra-corrente, das potencialidades democráticas que as autarquias, apesar de tudo, dispõem, em particular num pequeno concelho como Arouca. Em primeiro lugar a proximidade entre eleito e eleitor, todos conhecem os Membros da Assembleia de Freguesia, o Presidente da Junta de Freguesia, os Vereadores, o Presidente da Câmara, os Deputados Municipais, o Presidente da Assembleia Municipal. Os cidadãos podem participar nas reuniões dos órgãos autárquicos. Todas as freguesias estão representadas na Assembleia Municipal.
E ainda se poderia aprofundar mais a democracia, se houvesse uma maior descentralização de competências e verbas para as Juntas de Freguesia, se as reuniões da Assembleia Municipal fossem ao fim de semana e corressem as diversas freguesias do concelho. Estas propostas, e outras, podem ser adoptadas. Como muitas outras coisas cabem no leque das opções políticas.
É verdade que a azáfama dos nossos tempos, o espírito da sociedade de consumo e o descrédito na força do colectivo levam muitos a gritarem: trabalho que me farto, quero é que me deixem em paz. É um desabafo compreensível. O problema é que será sempre o Povo (e a Política), para o bem ou para o mal, que traçará, por participação ou omissão, o futuro.
Por tudo isso, caro leitor, vote e participe na vida pública desta terra e deste país. Para que não lhe aconteça o que aconteceu à nêspera.