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A 15 de Março, Portugal obteve mais tempo para reduzir o seu défice público nos termos do memorando de entendimento assinado com a UE, o BCE e o FMI em Maio de 2011, quando o país se tornou o terceiro Estado-membro ao qual foi prestada assistência no contexto da crise da Eurozona. O relaxar dos termos do resgate tem sido considerado como uma recompensa pelo currículo português de cumprimento do programa de ajustamento, o qual inclui cortes altamente impopulares de salários no sector público, um dramático agravamento da carga fiscal e a privatização das indústrias mais importantes (aeroportos, eletricidade e rede energética). Portugal tem sido consistentemente recomendado pela sua determinação em prosseguir reformas de austeridade, apesar dos indicadores económicos que têm também ficado aquém das metas em matérias de crescimento, emprego e redução da dívida. Números recentes do Ministério das Finanças revelam, por exemplo, que 23,8 milhares de milhões de euros em cortes da despesa pública (14 por cento do PIB) ao longo de três anos resultaram numa redução do défice orçamental de apenas 6,6 milhares de milhões, em parte por causa da drástica queda do nível da atividade económica e das receitas fiscais que aqueles cortes orçamentais provocaram. O desemprego atingiu 18 por cento (39 por cento no caso dos jovens) em Janeiro. Apesar disto, o FMI continuou a incensar o consenso social e político notavelmente robusto , o qual também assegura uma abordagem mais tolerante por parte da Alemanha .

Como poderemos explicar este consenso, confrontado com um pano de fundo de protestos contra a austeridade que eclodem através da Europa? Existem três fatores, que colocam Portugal numa posição à parte, que podem ser mencionados: a situação que prevaleceu antes da crise; as estratégias políticas dos principais partidos; a tradição, profundamente enraizada nos cidadãos portugueses, de “votar com os pés”.

O primeiro fator consiste em Portugal não ter passado por uma fase de “expansão rápida e rebentamento”, como aconteceu com a Espanha, a Grécia ou a Irlanda. Se as medidas de contenção fiscal aplicadas têm sido razoavelmente brutais, o facto é que a viragem para a austeridade não foi tão brusca como noutros países: na verdade, já tinha começado mesmo antes da crise. Tal como outros países periféricos, Portugal aderiu à Eurozona com uma divisa sobrevalorizada relativamente aos seus níveis de produtividade. No contexto da queda da procura no exterior, causada pela contenção salarial na Alemanha e pela competição acrescida da Europa central e de leste, as suas exportações foram severamente penalizadas desde o final da década de 1990. Tal como na Espanha e na Grécia, as baixas taxas de juro permitidas pela união monetária europeia fortaleceram o consumo interno, níveis elevados de dívida privada e défices comerciais. Todavia, em contraste com aqueles países, onde o crescimento económico foi sustentado por bolhas imobiliárias, o mercado imobiliário português estava já saturado no final da década de 1990, o que o tornou razoavelmente pouco reativo a baixas taxas de juro. Apanhado entre a baixa competitividade das exportações e as limitadas possibilidades para a expansão interna, Portugal atravessou uma década de crescimento anémico depois de ter integrado o Euro. De acordo com dados da OCDE, Portugal foi o país da Eurozona que cresceu menos desde 1999 (Figura 1). Em resultado disso, os governos portugueses já estavam a pôr em prática medidas de consolidação orçamental antes da crise, particularmente sob o governo socialista de José Sócrates (2005-2011).

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O segundo fator é a estratégia política prosseguida pelos principais partidos. Ao passo que a Grécia enfrentou uma situação de instabilidade política que pode ser comparada à da Alemanha de Weimar , os principais partidos portugueses exibiram um notável grau de consenso desde os primeiros estágios da crise da dívida soberana. As medidas de austeridade, primeiro postas em prática pela minoria socialista antes do resgate, foram suportadas pelo PSD de centro-direita, e os socialistas apoiaram pelo menos passivamente um importante número de medidas de contenção fiscal promovidas depois pela coligação conservadora PSD/CDS-PP, que chegou ao poder em Junho de 2011. Este padrão de compromisso pode ser explicado pela reduzida distância ideológica entre os maiores partidos, mas também pela sua relutância em assumir o exercício do poder no contexto do programa de ajustamento. Em essência, ser governo à sombra da Troika não constitui exatamente uma programa apelativo. Consiste em fazer o trabalho sujo de impor políticas altamente impopulares com uma margem de manobra mínima, e procurar ir espalhando e tornando difusa a revolta popular. Em particular para o PS e o PSD, suportar o governo enquanto se está na oposição tem sido um expediente para conseguir fazer passar um certo número de medidas impopulares, sem todavia sofrer de forma direta o ónus correspondente. Mesmo tendo nos últimos tempos assumido uma postura algo mais combativa, os socialistas descobriram que era difícil advogar um programa alternativo, precisamente porque eles próprios tinham levado a cabo o mesmo tipo de políticas quando estavam no poder.

O fator final consiste no tradicional papel da emigração enquanto válvula de segurança para problemas na sociedade portuguesa. Albert Hirschman escreveu magistralmente acerca da existência de três possíveis respostas face a condições políticas ou económicas adversas: “lealdade”/cumprimento, “voz”/protesto ou “saída”/retirada. Embora seja verdade que o protesto popular (“voz”) tem vindo a aumentar, tal como evidenciado recentemente por uma série de manifestações massivas que usam os símbolos da Revolução dos Cravos de 1974, aquilo que também pode ser observado é uma estratégia ainda mais massiva de “saída” através da emigração. Números recentes indicam que mais de 1 milhão de portugueses abandonaram o país desde 1998, e qualquer coisa como 120 mil podem tê-lo deixado só no ano de 2011. Para um país de 10 milhões de habitantes, estes são números extremamente elevados. O ciclo de emigração que começou no final dos anos 90 pode ser comparado apenas ao que ocorreu durante os anos 60, quando a emigração era a única via para escapar à estrutura social rígida mantida pela ditadura de Salazar. No contexto da presente crise, a emigração pode ter ajudado a reduzir o desemprego e a possibilidade de protesto político, mas também contribui para agravar massivamente problemas estruturais de sustentabilidade do Estado Social. Aqueles que partem para o Brasil, Angola, Moçambique, Alemanha ou mais partes são frequentemente jovens e muito instruídos, e dado que Portugal tem uma das mais baixas taxas de natalidade da Europa, os possíveis contribuintes líquidos para o Estado Social estão a ir-se embora, ao passo que beneficiários líquidos, como reformados e pensionistas, permanecem. Neste contexto, o maior risco para o Portugal fustigado pela austeridade pode bem não ser uma explosão, mas uma lenta morte por desgaste.

[*] Alexandre Afonso é docente no Departamento de Economia Política do King’s College de Londres. Os seus interesses de investigação são a política comparada, a mobilidade do trabalho, as relações industriais e as reformas do estado social. O seu livroSocial Concertation in Times of Austerity foi publicado pela Amsterdam University Press em 2013.

O original encontra-se em blogs.lse.ac.uk/,,,..

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