Tudo o que o homem não conhece não existe para ele. Por isso, o mundo tem para cada um o tamanho que abrange o seu conhecimento.
Carlos Bernardo González Pecotche 1
A consciência individual é anulada pela quantidade de informação empacotada.
Edward W. Said 2
Os actores e os actos da Censura no Regime Democrático adaptaram-se ao novo contexto. Quais as diferenças formais e funcionais entre a Censura do Estado Novo e a Censura do Novo Estado? Muitas há e não seria historicamente fundamentado nem intelectualmente correcto meter as duas no mesmo saco ou no mesmo Index. As vicissitudes e os desenganos deste ciclo democrático não justificam equiparação apressada nem cegueira relativamente às malhas e manhas da Nova Administração da Opinião Pública. Comecemos pelas alterações gerais do regime censório. No plano físico da Arquitectura do Poder, verificou-se uma mudança de domicílio ou uma deslocalização. Na verdade, no período do Estado Novo/Fascista, a Censura passou da fase castrense à fase paisana (não deixando, todavia, nos seus 48 anos, de incorporar militares na Guerra Civil da Informação-Contra-Informação), sedeando os Serviços Centrais no Palácio Foz (Lisboa) e em delegações distritais, com especial zelo no Porto, onde se editavam três centenários matutinos: O Comércio do Porto, Jornal de Notícias, O Primeiro de Janeiro.
Conquistada a Liberdade de Imprensa, em 25 de Abril de 1974, naturalmente a Comunicação passou a espelhar a nova correlação de forças, elevando a rua a protagonista da revolução. O modelo mediático popular e revolucionário alterar-se-ia a partir do 25 de Novembro de 1975, paulatinamente emergindo outro modelo, elitista e contra-revolucionário, corporizado na Rede Nacional-Imperial da Informação. Apontaremos algumas singularidades do actual paradigma censório. A Censura desocupou os edifícios oficiais e camuflou-se nas empresas de Comunicação, investindo nas respectivas funções e missões, já não a patente de coronel, mas a de bacharel. Isto é, o regime censório de fachada democrática, compelido a esconder as vergonhas do fascismo, acabaria por resolver as suas necessidades com esperteza e poupança: passou a exercer o Exame Prévio dentro do espaço empresarial e redactorial, dando lugar a uma nova figura executiva. Essa nova figura reconhecer-se-á no director-censor ou no censor-editor, hierarquizadores de evidências, manipulações e omissões. Este golpe de mestre tem permitido disfarçar a existência de um corpo censório, colando as duas peles (jornalista e censor) numa só pele, numa só pena e num só salário. Os censores acobertam-se, agora, sob a capa da Carteira Profissional de Jornalista.
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